A nuvem: entre o céu e o inferno

A nuvem: entre o céu e o inferno

Jorge F. Negrete P.

“As revoluções começam com a palavra e terminam com a espada.” Marat.

A palavra e a promessa eram as do bem-estar digital, melhorar a qualidade de vida das pessoas, nos integrar na economia digital, criar uma sociedade inovadora, competitiva, transparente e que garanta os direitos humanos no mundo digital. A espada se expressou na geopolítica, na má política pública digital e na desconfiança mútua, em uma sociedade de uns e outros. Estar aqui ou lá. A emergente sociedade digital abre caminho entre as assimetrias morais e civilizatórias do nosso tempo.

Toda revolução econômica nasce com a adversidade em seu olhar. Apontei os aspectos geopolíticos que afetam os microprocessadores de computação e as redes de telecomunicações 5G. Mas a revolução digital que nasce diante de nossos olhos no início deste século tem outra frente estratégica igualmente importante: a nuvem.

À luta global pelo mercado de chips e redes de telecomunicações, devemos adicionar ao mundo da nuvem, os data centers.

O céu. A nuvem, a cloud, é a força transformadora mais poderosa e dinâmica dentro do universo digital. Armazena, coleta dados, mede, projeta e avalia. Dentro dessa palavra está a gestão absoluta da informação.

A nuvem é o território da transformação digital. Tudo o que vai se transformar em digital nascerá lá. É um buraco negro que absorve a matéria analógica e a transforma em matéria digital, construindo um novo universo paralelo. A nuvem é uma dimensão que libera novos serviços e integra os mundos de TIC e telecomunicações, o audiovisual, nova infraestrutura e acelera as oportunidades de desenvolvimento da sociedade.

Quanto mais digital, mais pluralidade informativa, maior o exercício de direitos fundamentais. Quanto mais digitalizada a sociedade, maior igualdade entre os cidadãos e oportunidades.

Para efeitos de política pública, a nuvem é uma ferramenta estratégica para o funcionamento do governo e a prestação de seus serviços. Todos os serviços do Estado, do governo, do Poder Legislativo e Judiciário devem estar na nuvem para alcançar a todos. Ela otimiza processos, torna a gestão pública transparente, reduz custos, avalia o desempenho do governo e de seus serviços.

A nuvem e a digitalização são o antídoto contra a corrupção e o mau funcionamento do governo. A nuvem cria uma visão coletiva da ação pública, estabelece processos em rede, modifica a cultura das administrações públicas e otimiza custos.

O Inferno: os Estados Unidos possuem 40% do total dos Hyperscale Data Centers em nível mundial e quase metade da capacidade global de serviços na nuvem.

Mas hoje estão sendo investigados pela Ofcom na Europa. A Amazon Web Services (AWS) e a Microsoft têm uma participação de mercado combinada de 60-70%. O Google tem apenas 5-10%. Essas empresas são conhecidas como “hiperescaladores” e são acusadas de falta de interoperabilidade, altos custos de saída e margens elevadas.

A Europa promoveu a “Década Digital”, baseada na nuvem com empresas europeias, investimentos diretos em seu território e obrigou os EUA a assinarem um acordo para fortalecer o conceito de “Porto Seguro” em relação à transferência de dados pessoais. Isso sinaliza uma ameaça em termos de competição econômica e proteção de dados.

A nuvem é a única ferramenta vital para garantir a cibersegurança numa sociedade geopolítica cheia de desconfiança e onde a missão de transformar digitalmente a sociedade não pode parar.

A Nuvem é, ao mesmo tempo, o continente de uma sociedade digital e, paradoxalmente, a base da sua desconfiança.

Presidente do Grupo DPL

X / Twitter @fernegretep